São imagens que circulam nas redes sociais, geralmente acompanhadas do enunciado: “professor sofre”. Seriam respostas de alunas e alunos à provas e exercícios, refletindo seu baixo nível intelectual, sua indisciplina, sua falta de interesse, ou tudo isso junto.
Porém, se analisados com mais de atenção estes supostos “erros” mostram que o problema talvez não esteja nos alunos. Ele está na concepção pedagógica e educacional, no tipo de avaliação utilizado e na própria postura do professor. Sob este olhar, tais respostas podem ser entendidas como reações, como um manifesto dos estudantes contra o quê e como estão aprendendo. A meu ver, são oportunidades que nos ensinam sobre a Educação, aquela que queremos superar e a que realmente desejamos.
E quais são estes “erros”?
1. Foco na memorização e transmissão da informação
No estudo das teorias da Educação, assim como em suas aplicações pedagógicas, ela é um tema recorrente. A chamada “Pedagogia Tradicional” tem como foco a transmissão de conhecimento, tendo como base a teoria de que este existe fora do sujeito, que é algo concreto, que pode ser “absorvido” e “transmitido”. Já nas primeira décadas do século XX esta pedagogia era questionada pelos adeptos da “Escola Nova”; posteriormente educadores progressistas de todas orientações e nacionalidades também a criticariam, como Paulo Freire, com sua “concepção bancária”.
Contudo, apesar das críticas, tanto a epistemologia empirista e a pedagogia tradicional continuam vivas e presentes na sala de aula. Podemos percebê-las em avaliações cujo foco são a memorização de conceitos. Particularmente no ensino de Ciências, esta postura reflete uma separação entre teoria e prática, entre a simples recitação de definições e seu entendimento e capacidade de aplicação na vida cotidiana.
Um exemplo? O enunciado da prova a seguir, que me remete a meus tempos escolares, ano após ano copiando o esquema de destilação da lousa, sem chegar nem perto da prática:
Explique resumidamente o processo de destilação simples.
Faça uma linha no chão. Atravesse-a e você estará daquele lado, atravesse de novo e você estará destilado. Viu como é simples?
Será que a atitude do aluno foi realmente a de indisciplina, segundo o comentário da professora (ou professor)? Ou não seria uma uma ironia, diante de uma pergunta que mostra um vazio de criatividade e de preocupação com a aprendizagem significativa?
Outro exemplo:
O que terminou em 1896?
1895.
Pela sagacidade, intuo uma ironia diante de uma pergunta que somente pretende avaliar a “absorção” de fatos. Não se trata de não saber a resposta correta, mas a um “dar de ombros” diante de um algo que não parece ter relevância, do ponto de vista do estudante.
Se antes mencionei as Ciências, a História também é uma disciplina que sofre deste fetiche pelos fatos, isolados no espaço e no tempo:
Onde a Declaração da Independência foi assinada?
No final [da página].
Concluindo, estas respostas que transitam entre a ingenuidade e a ironia revelam que os alunos são críticos do tipo de educação que recebem, conscientes da significância e aplicabilidade daquilo que aprendem (ou não) para sua vida futura.
2. Qualidade das perguntas relacionada à qualidade das respostas
Outro ponto a ser pensado é a preparação das questões em si. Além da concepção de Educação, como visto anteriormente, e do foco na transmissão de conteúdos, a própria formulação da pergunta pode induzir ao “erro”.
Encontre X.
Ele está aqui!
Neste exemplo tenho certeza de que não foi ironia, mas de que a aluna ou aluno realmente se entusiasmou, ao perceber que tinha resolvido um problema de Matemática. E sob todos os aspectos, sua resposta está correta. Errado está o docente, que zerou a questão; não sou especialista em direito educacional, mas penso que aí existe base para um “processinho”, se os pais desejassem.
Não sei. Parece que à s vezes os professores não pensam muito a respeito das questões que eles mesmos elaboram. Este Warren, por quem nutro bastante simpatia, teve muito mais senso crítico, para não dizer bom senso, que seu professor.
Desenhe como você será daqui a cem anos. Daqui a cem anos eu vou ter ____ anos.
Warren. Descanse em Paz
Algumas vezes, os alunos podem inclusive dar uma lição de civilidade, diante da baixa qualidade dos livros didáticos que incorporam todo tipo de viés em suas avaliações.
O homem afagou o cachorro. (alternativas: adequou, bateu)
(resposta da aluna: você não deve bater em cachorros)
Mesmo em questões abertas, se você pergunta, esteja preparado para as respostas inesperadas”¦e sinceras.
Numa palavra, descreva a escola.
INFERNO
3. Subestimação da capacidade dos alunos
Uma das principais críticas que os movimentos de desescolarização (como o home schooling) ou reescoralização fazem à instituição escolar é seu caráter massivo, incapaz de atender à s necessidades individuais dos aprendizes. Somando a este fato alguns dos “pecados” anteriores, encontramos alguns exemplos onde o tal “erro” do estudante consiste numa reação ao professor, que subestima sua capacidade intelectual.
O exemplo abaixo é chamativo, principalmente quando analisamos os detalhes da imagem. Vejamos: aqui o exercício ou prova é realizado na língua materna e numa idade relativamente avançada, como vemos pelo comentário da professora e pela capacidade de escrita da aluna, respectivamente.
Vamos lá, sinceramente, que pergunta mais absurda é esta? Não é óbvio? Por que uma criança inteligente e criativa iria perder seu tempo respondendo algo tão simplório? Judy, por quem também tenho muito simpatia, respondeu sem se preocupar com as regras, aparentemente numa recorrência de seu comportamento questionador. Mas a professora, presa em suas próprias concepções, ainda se prontificou a corrigir a questão, levando a sério a comédia.
Este menino está (sic) FEIO.
a. triste
b. feliz
c. feio
(Detalhe: o menino é feio mesmo).
4. A falsa contextualização
Diante das críticas à pedagogia tradicional, e especialmente na área de Matemática, uma das respostas da academia foi a necessidade de contextualizar os conhecimentos. Não mais saberes isolados, distantes da vida cotidiana e da prática das alunas e alunos, mas integrados, evidenciando sua significância.
A mensagem da contextualização, contudo, ou não é compreendida ou sofre em sua implementação pragmática. Consequentemente, os enunciados apresentam situações e personagens, mas o problema a ser resolvido ainda é puramente abstrato, numa falsa contextualização. E os alunos frequentemente são aqueles que reconhecem este dilema.
Após lançar 2014 vezes uma moeda, Antônio contou 997 caras. Continuando a lançar a moeda, quantas caras ele deverá obter para que o número de caras fique igual à metade do número total de lançamentos?
Antônio precisa de um psiquiatra.
Novamente, alguns interpretarão como “erro”, como incapacidade de responder à pergunta, como preguiça, como falta de caráter. Mas esta é uma posição mais cômoda que assumir o fato de que suas disciplinas e avaliações não dialogam com a realidade dos estudantes.
5. Não considerar o pensamento lateral
Na atualidade, é muito comum encontrar discursos nos quais se defende que a Educação deve promover a criatividade, a capacidade de propor soluções, de “pensar fora da caixa”. Pensamento lateral tornou se uma expressão chave neste contexto. Contudo, o sistema educativo não parece acompanhar essa visão.
Miranda não consegue ver nada quando ela olha no microscópio. Sugira uma razão.
Ela é cega.
Este caso me revolta, particularmente, por alguns motivos:
- A resposta é correta, do ponto de vista lógico. Não é a resposta desejada, aquela que está no livro do professor, mas é justa e precisa.
- A professora ou professor insiste em sua soberba, assumindo que o aluno tentou enrolar (“boa tentativa!”).
- A resposta é ainda mais correta, do ponto de vista da inclusão educacional. Isto é, se houvesse uma aluno com deficiência visual na sala, como ele poderia aprender sobre o microscópio?
6. Ignorar diferentes perspectivas epistemológicas
Os “erros” dos alunos também podem ser reveladores, no sentido de evidenciar formas de pensamento. Respostas inesperadas que nos fazem inclusive pensar sobre como acessamos e lidamos com o conhecimento. Elas nos faz pensar epistemologicamente, para colocar de outra forma.
Abaixo, o estudante, tal vez sem querer, evidenciou a relação entre linguagem natural e linguagem matemática. Tirar o “centi” significa exatamente tirar 100, dividir por 100. A operação realizada no âmbito semântico é a mesma realizada matematicamente. Resposta correta.
Para transformar centímetros em metros você__?
Tira o centi.
Mas minha preferida, neste ponto epistemológico, é a seguinte:
Você deve assumir o papel de um imigrante chinês em 1870 e escrever uma carta para casa descrevendo sua experiência. Sua carta deve incluir suas contribuições e experiências no Oeste.
Diferente dos outros exemplos, aqui a professora ou professor de História caprichou. Não pediu fatos, nem datas. Estimulou a criatividade, a aplicação de saberes. Um exercício interessante, mas com um porém.
Wittgenstein, um filósofo, escreveu:
Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo.
Isto é, através da linguagem criamos nossos pensamentos e a forma como vemos a realidade. Portanto, a “experiência” do chinês somente pode ser autêntica, se relatada em sua própria linguagem. Ideias, crenças, atitudes, inclusive sentimentos se manifestam através da linguagem e podem ser característicos e únicos a um determinado idioma.
Então será que o aluno somente “enrolou”? Ou teve uma percepção, intuitiva, desta premissa epistemológica?
Nunca vamos saber. Mas penso que vale a pena “escutar” as respostas de nossos alunos com mais atenção e menos pedantismo docente.